terça-feira, 24 de junho de 2014

Em busca das cores

Era imediato. Quando me falavam desta cidade, era isto que me vinha à cabeça: cinzento. As poucas vezes que passei as pontes sobre o Douro parecia ver um véu espesso a impedir a passagem de luz, mergulhando a cidade numa escuridão leve. Desta vez, sacudi as ideias feitas e coloquei o meu olhar mais atento. Cinzento? Nada disso. O Porto vibra de cor.

O céu nublado e os chuviscos intermitentes não auguravam um dia fácil. A ideia da atmosfera cinzenta colava-se na minha mente. E por ser a terceira vez que percorria o centro do Porto em busca de um lugar para estacionar, o cinza adensava-se cada vez mais. Decidida a não me deixar vencer pelo mau-humor meteorológico, dou mais uma volta ao quarteirão e tenho sorte. O Sr. Fernando, de barba grisalha e ar maltrapilho, mas de certeza enviado pelos anjos, tinha um lugar reservado para mim. Agradeceu amavelmente a gorjeta, enquanto apontava para a fachada branca da reitoria da Universidade, sobranceira à rua das Carmelitas, onde ele costumava cirandar.

Foi nesta rua que comecei a volta pela cidade, seguindo em direcção à Cadeia da Relação. De soslaio reparo na brancura da Igreja dos Clérigos, debruada de pedra, antes de atravessar as abóbadas da cadeia, actualmente a morada do Centro Português de Fotografia. Também aqui me deparo com o Branco, castigado por um amor de perdição. Camilo (Castelo Branco) abraçou estas paredes roídas pelo tempo, enquanto criava o destino de Simão e Teresa. Respiro as últimas partículas das memórias que por ali flutuam e sigo por um destino diferente, em direcção à Vitória.
 
Na rua de São Bento da Vitória, paro num miradouro maltratado, onde o lixo se acumula nos cantos. É pena, porque a vista encanta. Com o rio aos pés, os telhados vermelhos amontoam-se como degraus gigantes. Abrigam as paredes amarelas, brancas ou vermelhas das casas que rodeiam a bucólica Igreja dos Grilos. Nas varandas destas casas, entre a tinta gasta pelo uso, crescem flores e esvoaçam roupas, acompanhando as gaivotas que grasnam por cima dos telhados. Como elas, abro as minhas asas e continuo até à rua de São Miguel, atraída pela silhueta ténue das figuras azuis. Cravados na parede, estes painéis de azulejo, desbotados pelo tempo, retratam momentos de vida centenários. Os rebordos enfeitados de amarelo e lilás dão um toque vivaz à parede do edifício, classificado de interesse público. Na verdade, nem precisava do estatuto para merecer uma visita, bastava a arte do desenho e da cor. E estar tão próximo da Ribeira também lhe vale alguns pontos. É para aí que vou, em busca de outros tons. 
A primeira tonalidade que encontro não é nova; no muro da Rua da Vitória, estende-se um graffiti azul, delineando uma mulher sem rosto envolta num manto. Ou um monstro marinho saindo das ondas, não posso garantir. Do azul estimulante, desse não tenho dúvidas, e isso já me deixa feliz. Pelo menos o suficiente para deslizar pelas pedras escorregadias até à Ribeira, na margem do rio, sem me importar com a ameaça de chuva.





O rio Douro esperava, tranquilo. Nas suas margens, salpicadas de cadeiras dos cafés, partilham-se histórias e bebem-se cervejas. O frio cortante de Inverno começava a atacar e também eu, com o resto do grupo, me rendi à indolência. Olhando para as águas calmas, ouvi a voz forte de Maurício, um filho da terra espadaúdo, a contar a razão do nome Douro. Aí percebi porque esperava o rio. À medida que a noite avança de mansinho, os últimos raios de sol dissolvem-se no rio e imprimem um brilho dourado que se mistura com as moléculas de água, criando a imagem de “rio de ouro”. Enriquecida com esta história, entrei no famoso Peter’s, ícone açoriano, pensando por que raio tinha deixado o véu cinzento tapar-me a cabeça e esconder as cores incríveis desta cidade. De cinzento, para além da distinta Ponte D. Luís, vi apenas a barba grisalha do Sr. Fernando, e o seu sorriso amável acabou por me oferecer a cor mais viva de todas. 

Sem comentários:

Enviar um comentário