segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Acra, 3 de Novembro de 2012

“Do  you  speak English?” O senhor sentado ao meu lado no avião meteu conversa; o boné preto enfiado na cabeça, jeans, pólo branco às riscas azuis e ténis a condizer contrastavam com a tez escura de Gabriel, um ganês sediado em Bilbau há 15 anos. Encontrámo-nos no avião em Lisboa com destino a Acra, a capital do Gana, país onde estou a implementar o trabalho de campo nas plantações de cacau. Gabriel conta-me que chegou a trabalhar um ano numa plantação de cacau, quando lhe digo o que vou fazer ao Gana. A simpatia ganiana persegue-o e conversámos grande parte do voo; actualmente desempregado depois da fábrica de lingotes de prata onde trabalhava ter fechado, Gabriel decidiu passar 2 semanas de férias na cidade costeira de onde partiu inicialmente para Modena, na Itália, há quase 2 décadas, onde viviam 2 dos seus irmãos. Depois foi visitar um amigo em Bilbau e, sem planear, foi ficando por Espanha, onde não quer ficar para sempre. “Tenho que pensar bem e preparar as coisas, regressar ao Gana sem trabalho é mau, não serve. Mas quero voltar.”

O voo vai atrasado mas corre sem peripécias. Da janela vejo as fatias coloridas do céu quando se aproxima o pôr-do-sol, emolduradas por tufos de nuvens. Nos trópicos as nuvens abundam, apesar de ser agora estação seca e não haver sinal de chuva. Chegamos a Acra às 10h da noite e estão uns maravilhosos 28 graus! Pedem-me o passaporte 3 vezes antes de chegar ao tapete rolante das bagagens, na última vez o rapaz sorri abertamente e diz-me que o nome Sandra é muito importante para ele. Será a namorada? Uma paixão arrebatadora? Uma mentirinha para se armar em engraçado? Não chego a descobrir, mas alegro-me pelo meu nome ser apreciado também aqui nos trópicos, seja qual for a razão.

O Hotel Esther onde fico alojada fica a 5 minutos do aeroporto, escondido numa rua residencial; tem um ar colonial, de piso térreo e plantas frondosas à porta. No quarto, em cima da secretária de madeira velha, vejo um bloco de notas onde os funcionários apontam as bebidas disponíveis no quarto. Reparo que afinal é um caderno de escola primária, de uma colecção intitulada "Football legends". Na capa surge aos meus olhos a figura jovem de um conhecido jogador português, no auge da sua brilhante carreira no campo. Conseguem adivinhar quem é? Não, não é o Cristiano Ronaldo, ele é muito conhecido e basta dizer que sou portuguesa para o seu nome vir à baila, juntamente com o brilho nos olhos escuros dos jovens africanos. Mas o verdadeiro embaixador de Portugal no mundo na última década é o Luís Figo, figura incontornável do futebol português que encanta crianças e jovens em África e na Ásia; já em 2003 o Figo era o meu conterrâneo mais aclamado na Indonésia quando revelava de onde vinha, enquanto que Xanana Gusmão, que sofreu anos na prisão por defender a independência de Timor-Leste da Indonésia e a aproximação às raízes portuguesas, mal era mencionado. Assim se vê que é o futebol que move o mundo, bem mais do que a política.

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